7h30. Domingo. Há muito não me levantava tão cedo, mas o programa prometia. Em Valência, não muito longe de Barcelona (pelos padrões espanhóis, está claro, que ainda são mais de 300 quilómetros…), decorreram durante toda a semana as Fallas, uma velha tradição valenciana, com origem num rito – como tantos outros – de celebração do equinócio de Primavera, entretanto apropriado pela igreja católica: as festas celebram hoje S. José e a Virgem dos Desamparados.
A viagem estava marcada para as 10h00, com saída da Estação Norte de Barcelona, em autocarro, até à capital da Comunidade Valenciana. Mas houve um problema com os bilhetes – se fosse supersticioso diria que era por sermos 13. O colega italiano (eram 11 ao todo, os transalpinos) que tinha comprado o bilhete tinha feito o pedido para o dia 18 e tinham-lhe dado para 16. Reclamamos e o máximo que conseguimos foi um lugar no autocarro seguinte, e uma experiência deliciosa na burocracia espanhola para fazermos as respectiva reclamação por escrito…
Finalmente o problema estava resolvido. Pelo menos tinha lugar para chegar a Valência. Embora tivesse gasto 15 euros mais que não estavam no orçamento. Bilhete na mão: Cais 23, lugar 32. E cá vamos nós.
Pela frente 5 horas de viagem, conhecendo o litoral da Catalunha e aproveitando o sol quente que batia no vidro para embalar num sono retemperador.
Chegamos finalmente a Valência. 23 graus e o sol continuava radiante. Depois de um início atribulado estava feliz por ali estar, embora me sentisse mais em Itália do que em Espanha, tal era a “sinfonia” transalpina à minha volta. Acho que até o meu castelhano soava com sotaque italiano ontem.
A cidade é muito bonita. O centro histórico é muito rico, mantendo ainda de pé as torres da antiga fortificação da cidade. Por lá também estão alguns palácios – que hoje acolhem serviços do Estado espanhol e da Comunidade Valenciana –, a catedral e as suas imensas ruas medievais, a fazer lembrar Barcelona. Mas sujas, muito sujas as ruas. Parece que ninguém as limpa até ao fim dos festejos... E ponho-me a pensar como é que Espanha consegue ser um destino turístico tão atractivo, ainda assim…
O que mais me chamou à atenção é que Valência tem todas as características de cidade ribeirinha, debruçada sobre as várias pontes que marcam a paisagem urbana. Mas rio nem vê-lo. No lugar em que devia estar há um grande parque de lazer, que atravessa toda a cidade, com campos de futebol, rugby, ténis, etc...
Descobri mais tarde que ali tinha de facto corrido um rio, o Turia, desviado em meados do século XX, depois de uma grande cheia, e que agora corre na parte Sul da cidade.
As Fallas são umas festas interessantes. Cada comissão fallera monta uma grande construção na entrada do bairro a que pertence, umas vezes satíricas, outras com motivos históricos ou infantis.
Depois, as pessoas de cada bairro percorrem a cidade, vestidas com os trajes típicos valenciano, e acompanhados por bandas de música e altares de flores. No final, juntam-se no centro da cidade para entregar as flores à Virgem dos Desamparados, uma enorme Nossa Senhora de madeira, coberta de flores, que desenham um manto lindíssimo.
Curioso também que durante todo o dia haja petardos e pequenas bombas a rebentar pela cidade. Dos mais novos aos mais velhos, todos participam nesta espécie de ritual que me custa entender. Mas, disse-me um italiano que estuda em Valência, aquele é um costume que dura todo o ano, desde que haja festa. Sejam baptizados, casamentos, ou festas populares.
Além do incessante ruído das explosões, Valência está cheia de música neste dia. Primeiro são as bandas das comissões falleras. E pela noite dentro cada bairro seguia com a sua própria animação. Uns mais tradicionais, com musica espanhola, bandas tradicionais, etc Outros mais modernos, com bandas de Rock e Dj's…
Valência está também pintada a spray. São imenso os grafites espalhados pela cidade. E, pelo que me pude durante a noite, é dado um espaço interessante às culturas “marginais”.
Era perto das 5h00 quando fui dormir um pouco, a casa do tal italiano que estuda em Valência, e que vive já fora do centro, bem perto do estádio Mestalla. Mas às 7h30 estava na rua, para procurar um autocarro que nos levasse à estação de camionagem.
Dormi quase todo o caminho, mas não pude deixar de sentir um estranho conforto ao chegar a Barcelona, ver a Torre Calatrava e Montjuic, e sentir-me como "em casa"…
Depois de 32 horas, estou de volta a casa. Agora quero dormir.